I – Apenas uma cidade sem nome

Era meio dia e o sol em nuvens negras se escondia
E parecia iminente a forte chuva que essa hora precedia
Com os braços cruzados e olhos pra baixo
Eu respiro fundo e acelero os meus passos... contra um vento envenenado

De repente uma forte e intensa chuva beija o chão
Transformando a cidade num cinzento misto de caos e solidão

Nada que impeça a multidão de andar
Nada que faça a cidade parar

A luz se vai deixando a escuridão
A chuva cai, trazendo inundação

Procuro abrigo em lugares em que jamais entrei
Esbarro em pessoas cujo rosto jamais verei

Entre prédios, ônibus, carros e trovões desenfreados
Celulares buscam um sinal divino por entres os raios
Com os braços molhados e os pés encharcados
Paro e vejo a água subir por todos os lados... e a esperança descer pelo ralo

De repente o maior de todos os raios atinge o chão
Ofuscante e estonteante leva ao chão toda a multidão

II – E agora sem ninguém

Como um download que enfim completa
Minha consciência retorna
Nuvens negras pairam na atmosfera
Mas a chuva enfim se esgota

Em um silêncio calmo e um ar estagnado
Só a água negra se desloca por entre os meus passos

Ninguém ao meu redor
Minha voz ecoa, só
Nuvens sólidas como concreto
Na cidade um total deserto

Tão difícil quanto acreditar que ainda há um sol lá em cima
Ouço no meu bolso o som de uma mensagem recebida

Nela uma foto de apenas 1 minuto atrás
Eu olhava pra uma janela escura em um prédio logo atrás

Um frio repentino, e um medo sombrio me dominam
E me levam ao sinistro... e desconhecido
Sensos amplificados e nervos congelados guiam meus passos
Em direção ao prédio... que parece abandonado...

III – Onde os celulares funcionam

Uma luz fraca e solitária, me leva ao fundo de um corredor
Sozinha no meio da escuridão, a luz revela-se um elevador

Mãos frias, olhos fixos, abro a porta, devagar
Um susto – Uma nova mensagem
Uma foto, de uma mão, no botão, do sexto andar
Sem ação - o elevador sobe

Com as lâmpadas piscando e sons de um velho maquinário
Luzes fracas passam como lâminas entre as portas do elevador
De repente o movimento para e as luzes se apagam
As portas se abrem mas a escuridão devora o que parece ser um corredor

Nesse silêncio ensurdecedor, consigo ouvir meu coração
O celular é acolhedor, flutuando na imensa escuridão

Iluminando o corredor, uma precária visão
Piso arrancado, ferrugem e infiltração
Sem portas ou janelas, só paredes corroídas
Uma vista decadente, um silêncio que intimida

Uma nova mensagem rompe o silêncio entre essas paredes sem fim
Uma foto tirada a apenas alguns instantes... bem atrás de mim

E há sangue... em minhas costas manchas grandes e gritantes
Não ouço... nenhum ruído ou sinto nada em meu corpo
Em transe... eu corro em direção a escuridão ofuscante
Me defronto... com uma porta que se abre ao meu encontro

Uma luz distante e fraca descreve o ambiente
Um pequeno quarto sem memória aparente

A visão se clarifica a medida que a retina se adapta a luz
Uma imagem familiar alivía o medo que a escuridão produz

Lentamente compreendo que há um computador logado
Em um perfil falso que a tempos havia criado

Só preciso achar alguém online e pedir ajuda...
Pra sair daqui...ou pelo menos pra ver se sabe se eu morri!

Se essas palavras alcançarem alguém
Estou perdido e aqui não há ninguém
Me sinto vivo em um lugar sombrio
Não sei onde estou...
Me respondam por favor...
estou vivo ou morto?
estou são ou louco?

V – E a internet também

Incapaz de desconectar, desse perfil ou desse lugar
Aguardo por algum sinal de que isso é real
Só e sem saber onde estou, vejo minha vida estática em um monitor,
através de um perfil o qual não sou

...um som familiar ressoou
Indicando um novo email que chegou
Surpreendentemente
O remetente...

É meu email pessoal, o meu perfil oficial,
Uma mensagem virtual vinda do mundo real - Que diz:
"Incrivelmente aqui estou, do outro lado daquele monitor,
onde a vida é viva e meu corpo tem calor"

"É tão surreal... o fulgor
De um sorriso feminino em um dia... de calor
e tão incomum
é o céu azul "

Sonho ou fato? Verdade ou ficção?
Minha vida real parece se encontrar em outras mãos

Destituído de um corpo real
Resumido a um fantasma virtual

VI – Será isso o além?

Dias, meses, anos se vão
Em fotos e palavras que não
Faço parte mas meu rosto está lá

Beijos e sorrisos vividos
Sem nunca um dia ter sido
Algo além de um link na tela pra clicar

Tão surreal,
e tão natural
é vida que vivo sem tocar

Tão irreal
e artificial
é ver alguém vivendo no meu lugar

Hoje só te peço gratidão... conte essa história numa canção

Escreva por mim, viva até o fim
Não deixe minha memória se extingüir